sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A DOR E A DELÍCIA DE SER O QUE É


Este pequeno escrito tocará, em dois assuntos muito em voga nos últimos meses; à primeira vista dois pontos de partida textuais bem distintos, mas que acabam tocando na mesma ferida.
O primeiro - à âmbito mais brasileiro - é o denominado kit-gay, mexendo diretamente na ferida da sexualidade, ou melhor na definição da maneira como desejar seu parceiro sexual.O segundo trata da morte recente da cantora Amy Winehouse, o qual cutuca a ferida exposta que encontra-se hoje a discussão, e quem sabe a pseudo preocupação, com a dependência química.
Escrevendo este texto penso muito em um eixo no qual podemos amarrá-lo: a adolescência; a fase mor de transformações e descobertas da vida que parece estar no plus da dinâmica social contemporânea. O Psicanalista inglês Winnicott definiu de maneira bem lúcida que a adolescência é passageira, mas a imaturidade adolescente não e que sempre existirão pessoas que a perpetuam.
Instigar uma discussão simplista, como a de que, se o kit-gay deve ou não deve ser defendido e difundido nas escolas, não cabe neste momento. O que chama mais atenção a se discutir é: como a sociedade desta virada de década percebe e sente estas novas conjunturas sobre a sexualidade humana?
A psicanálise, assim como a adolescência, nunca está pronta, ela precisa dar lugar ao novo – se transformar, e para isso necessita dialogar sempre com o saber de seu tempo. As pessoas e os sofrimentos mudam, as estruturas mudam e por isso as formas de ‘ajustes’ sociais não permanecem as mesmas.
Creio que ninguém nasce gay, torna-se; o grande levante dos críticos do kit é que ele instigará os jovens a serem homossexuais. Quem dera que fosse tão simples assim!!!! A escolha de objetos sexuais passa por caminhos nada óbvios. São nas sutilezas da forma como nos situamos dentro de uma época é que determinam com quem iremos parecer e quem vamos amar.
A instigação está muito mais voltada a um determinismo de escolhas de posição frente à sexualidade do que em qualquer outra forma; a meu ver parece que há uma ‘pressão’ para que o adolescente já determine seu objeto de desejo sexual. Ah, eu sou muito parecido com minha mãe, me identifico com ela, então eu sou gay e vou gostar de me relacionar com homens, como se um homem viril não pudesse se interessar por outros homens ou mulheres identificadas com o pai não pudessem gostar de homens; a discussão mais fecunda neste caso está em, deixar estabelecida a existência de uma linha contínua entre estes dois processos: identificação e escolha sexual.
Segundo a Psicanálise, a sexualidade se constrói junto com a identidade – isso chama atenção, qual é a identidade do adolescente contemporâneo?? Parece que ele vive de maneira muito mais exposta do que em décadas anteriores; seus dilemas, suas dores e suas escolhas têm de ser expressas e na correria atual surgem as “válvulas de escape” – como o exagero no uso de drogas e álcool.
Tais exageros acabam funcionando como resistência adolescente à entrada na vida adulta, sendo, portanto e também uma forma de questionar a sociedade pós-moderna que alimenta uma competição nervosa, sustentada pela máquina de destruição de sonhos chamada bom senso: em dias atuais parece que o amadurecimento é carrasco demais e a fase adulta prega uma determinação sobre a vida e uma única maneira de se posicionar diante dela.
Esta mesma sociedade merece todos os créditos por estar ‘colhendo’ a alimentação desta vida turbulenta, sem margem ao ‘tempo de pensar’, competidora por demasiado.
Em tempos onde no metier intelectual se propaga uma falência da utopia e das artes sublimatórias, o adiamento da adolescência venha talvez como refúgio para o sonhar e para o medo da realidade, tão atribulada pela competição. Será que foi o que ocorreu com Amy, para não crescer ela precisou morrer?
Com a dinâmica atual, de um aglomerado de quinquilharias, de informações simultâneas, de uma expectativa angustiante por algo que nunca chega, a adolescência surge como o ápice da vida, e como o ‘exemplar mais vivo’ do que seja ser utópico – deixando para esta fase e só para ela a possibilidade de realizar o sonhar, tornando-a sempre agente, pronta a tirar ao máximo o que a vida tem  oferecer antes que a mesmice da maturidade chegue e com ela, a realidade do amadurecimento imposto nos dias atuais, o ser correto, o ser normal, a seriedade e o embrutecimento ao sublime.